Emigrante passa férias a trabalhar como bombeiro
“Podia vir a Portugal em agosto passar as férias a descansar, passear ou fazer outra coisa qualquer, mas o que António Coutinho gosta mesmo de fazer é ajudar os seus “companheiros” no combate às chamas, que este ano têm fustigado Portugal de forma avassaladora.
Apesar de o distrito de Vila Real ainda não ter sido “muito afetado”, este emigrante, em França há mais de 30 anos, não tem parado e as lutas contra o fogo têm sido uma constante por outras localidades do Norte do país. “As situações mais complicadas que vivi este verão aconteceram no distrito de Braga, no de Viana do Castelo e mais recentemente no concelho de Alijó, onde várias casas estiveram em perigo”, mas felizmente conseguimos proteger as pessoas e os seus pertences”, refere este bombeiro voluntário, que se sente “em casa” na corporação da Cruz Verde.
Em França, António Coutinho, de 49 anos, trabalha na câmara municipal de Cahors, na recolha do lixo, um trabalho que não lhe permite fazer voluntariado nos bombeiros, apesar de já ter recebido convites. No entanto, quando chegam as férias não hesita e liga de imediato ao comandante Miguel Fonseca a dizer que pode contar com ele. “Cresci nos bombeiros da Cruz Verde e é aqui que me sinto bem. Tenho muitos amigos e tenho uma enorme paixão por esta missão de voluntariado, além de ter muito respeito e admiração pelo meu comandante”.
Este ano, a mulher decidiu não vir de férias a Portugal, uma vez que o marido está sempre ocupado nas tarefas de voluntariado. “A minha esposa já sabe que as minhas férias são dedicadas aos bombeiros, aliás quando me casei avisei-a logo que era um soldado da paz. Ela fica preocupada e está sempre a dizer para ter cuidado, mas o espírito que me envolve nesta luta é mais forte que tudo”.
A vida de bombeiro não é fácil e António recorda à Voz de Trás-os-Montes uma das situações mais dramáticas que viveu nestes longos anos dedicados aos bombeiros. Aconteceu há alguns anos, altura em que um amigo (bombeiro de Santa Marta de Penaguião) perdeu a vida a combater as chamas. “Foi terrível, são imagens que nos ficam para sempre na retina. Ver um colega a arder no meio do fogo e não podermos fazer nada, é um horror”, recorda António Coutinho, que se sentiu devastado por não conseguir ajudar um companheiro de luta. “Foi uma situação tão rápida que não nos deixou alternativa”.
Dos seus dois descendentes, nenhum quis seguir os passos do pai, mas António não deixa de ser um pai orgulhoso. “A exemplo do meu pai, do meu tio e dos meus primos (todos foram bombeiros), eu decidi seguir as suas pisadas e continuarei sempre com esta missão, mas os meus filhos preferiram optar por outros caminhos”.
Sobre a falta de voluntários que se sente em grande parte das corporações, António sublinha que os bombeiros deveriam ter mais regalias por parte do Estado, como acontece em França. “Os jovens continuam a ir embora do país, à procura de melhores condições de vida, e isso começa a sentir-se também nos bombeiros”, que deveriam “ter outra atenção” por parte do poder político.
Os incêndios são um drama difícil de parar, mas este homem, natural de Vila Meã, freguesia de São Tomé do Castelo, deixa um apelo às pessoas para serem mais cuidadosas, não realizarem queimadas e limparem os terrenos em volta das suas habitações. “Quando cheguei no final de julho a primeira coisa que fiz foi cortar a vegetação em volta da minha casa. Acho que ainda há muita negligência na propagação dos fogos, por isso as pessoas devem ser mais cuidadosas a preservar os seus bens.
Ontem, na quarta-feira, António Coutinho regressou a França, mas promete voltar na altura do Natal para continuar a sua missão voluntária de ajudar o próximo, uma vez que é assim que se sente bem.“
Texto transcrito da edição de 25/08/2016 do jornal “A Voz de Trás-os-Montes” (página 8).
Fotografia: Márcia Fernandes